Um homem acorda e descobre que tem a companhia de um crocodilo. Outro personagem toma um trem para sair da cidade mas não consegue deixá-la. Os muros de um povoado começam a se movimentar. Nos contos de naturalidade inquietante e humor sutil de Bettega Barbosa, o real e o fantástico se confundem para transformar nosso modo de perceber a realidade.
Nas histórias de Deixe o quarto como está, a lógica cotidiana abre espaço para estranhos eventos e relações, que passam a impor suas próprias regras e configuram um novo mundo.
Alguns dos contos, como "Auto-retrato", "Aprendizado" e "Para salvar Beth", permitem uma leitura realista. Outros adentram sem hesitação o terreno do fantástico: "Hereditário", "O crocodilo", "O rosto", "O encontro" - inquietantes fantasias kafkianas narradas com o humor sutil de um cineasta surrealista. Há também relatos a meio caminho entre o real e a fantasia, como "Exílio", "Correria" e "Espera", que induzem o leitor a questionar a sanidade (ou franqueza) do narrador, para decidir sobre a credibilidade da história.
Invariavelmente, o que impressiona é a habilidade de Bettega Barbosa em enredar o leitor como cúmplice na construção de estranhos e perturbadores universos.